We’ve updated our Terms of Use to reflect our new entity name and address. You can review the changes here.
We’ve updated our Terms of Use. You can review the changes here.

Carlos Kater - La Manifestation

from Fios da Trama - Vol. 2 by Berro

/
  • Streaming + Download

    Includes high-quality download in MP3, FLAC and more. Paying supporters also get unlimited streaming via the free Bandcamp app.
    Purchasable with gift card

      name your price

     

about

La Manifestation (1980)

[English Below]

“La Manifestation" foi concebida no âmbito de um dos cursos de música que ministrei no “Atelier d’Expression Corporelle et Musicale”, em Paris, desde 1978.

Na origem, ela se caracterizou como uma proposta criativa e educativa dialógica, junto a um grupo constituído por um educador musical e alunos, interagindo num processo que envolveu dimensões sensíveis e intelectuais, alimentadas pelo imaginário dos participantes.

O produto gerado resultou numa cena musical performática, interpretada pelo próprio grupo de alunos (executando instrumentos de percussão de diversas naturezas, apitos, vozes, megafone, gravador), com participação e interação colaborativa do público.

Sua estreia mundial se deu no “I Rencontre Musical des Enfants de la Ville de Paris” ("I Encontro Musical das Crianças da cidade de Paris"), com o grupo de alunos do Atelier, sob minha regência, na "Péniche Théatre", atracada no Quai de Saint Martin, na tarde de 12/06/1980.

A estreia brasileira ocorreu no "XX Festival de Música Nova”, de San­tos, a convite de seu diretor, o compositor Gilberto Mendes. O Grupo Experimental de Artes do CACMA, sob a regência de Luzia M. da Guarda, realizou uma versão performática no Teatro Brás Cubas, em 26/08/1984, seguida por apresentações realizadas em Cubatão e outros locais.

Importante observar que, na gênese de “La Manifestation” está presente o pedagogo brasileiro Paulo Freire, a quem ela é dedicada. Foi num de nossos encontros em Genebra, que ele fez o convite provocativo de criação de uma “música do oprimido”.

A envergadura desse desafio pareceu imensa na época, visto a complexidade que me impunha, acrescida ainda pela magnitude do trabalho de natureza semelhante já realizado por Augusto Boal, com o “Teatro do Oprimido”, tão competente e bem sucedido, dentro e fora do Brasil.

Mas foi sem dúvida a motivação desse desafio de Paulo Freire que amplificou em mim a necessidade de uma escuta crítica e criativa, bem como de reflexões sobre as manifestações que ocorriam desde 1978 em Paris, reacendendo as expressões revolucionárias de Maio de 1968, bem como daquelas que emergiram com as greves organizadas pela CGT (Confédération Générale du Travail) e CFGT (Confédération française démocratique du travail) em 1979.

Vale a pena lembrar, mesmo de passagem, que, em todas elas, as mensagens dirigidas ao poder constituído, aos patrões e empresários, à polícia, às instituições da direita e da esquerda tradicionais, bem como aos próprios estudantes foram sempre intensamente reivindicativas, irreverentes, provocadoras e... sonoras!

Em todas elas a característica básica se mostrou preservada... um meio de expressão sócio-cultural, de participação coletiva, compreendendo componentes sonoros e musicais de maneira intrínseca, e na grande maioria dos casos, implicando também no deslocamento das fontes de som – o que intensifica ainda mais a dinâmica dessa performance pulsante e a cada vez única.

Muito embora os graus de importância e as formas de articulação entre os materiais sonoros e os demais elementos típicos deste meio expressivo possam variar consideravelmente, a dimensão sonora é sempre superlativa, abrangente, extraordinária.

A ordem de complexidade dos sons fluindo em seus próprios discursos (slogans, refrões, palavras de ordem, discurso do(s) orador(es), aplausos, interferências vocais múltiplas, instrumentos musicais, sons órfãos, etc.), apartados agora de uma forma estabelecida e ordenadora, pode gerar uma resultante de aparente simplicidade. No entanto, ao contrário, estamos face a um universo entrópico e complexo, marcado pela revolta presente nos sons que veementemente buscam a liberdade de qualquer matriz-padrão controladora, que produz na música o que a força das margens impõe aos rios.

Mas é importante dizer que, dos registros realizados durante o processo de composição original da “La Manifestation” restou apenas um mosaico de recordações na memória de todos os participantes e... uma partitura, quase um painel, medindo mais de 3 metros de comprimento por 1 de altura.

A realização sonoro-musical que temos a oportunidade de escutar hoje, neste álbum, resulta de uma leitura viva e criativa do NuSom (Núcleo de Pesquisas em Sonologia), conduzida por Fernando Iazzetta, e orientada por macro referências dessa partitura.

O ouvinte atento escutará também citações musicais de significado subjetivo e proximidade com o tema (a nível de textura, densidade, morfologia, intenção), como as composições “Santos Futebol Music”, de Gilberto Mendes, “Sinfonia das Diretas”, de Jorge Antunes e “Percursos”, de minha autoria.

Estamos na realidade diante de uma “paisagem sonora” apenas aparente. Aqui, “sons são sons” e “manifestações... manifestações” mas nossa escuta, emancipada agora pelo movimento, os transforma de elementos soltos do chão das ruas em sonoridades plenas de significado, integradas no mundo imaginário dos novos sentidos propostos pela composição musical.

E é preciso dizer que não há compromisso de “interpretação fiel” do registro do caminho inventivo disposto na partitura. Assim como ela, partitura, também não representa a “sonografia” de um instante captado por ouvidos ávidos, visando fixar com “fidelidade” a vida de um instante sonoro qualquer. O compromisso é o de transcender, através da criação, os limites da realidade aparente, indo além do rigor de uma suposta fidelidade, que, de fato e em geral, compromete, quando não verdadeiramente sequestra e assassina, o valor maior, a essência dos fatos e fenômenos que tanto busca preservar.

Mas convém relembrar que, o que desde a origem de fato se perseguiu na “La Manifestation” foi a maneira dialógica, inventiva e própria, de dar voz, visibilidade, autonomia e protagonismo pela música aos participantes, convidando-os a reflexões e posicionamentos inovados, diante de situações sociais de real significado. Essa foi, naquele momento, a resposta possível ao desafio de uma música do oprimido.

A proposta feita àquelas crianças, aos jovens e ao público de 1980, não foi a de criarmos uma música viva naquele momento para ser reproduzida identicamente no futuro mas... uma música criada como reflexo das particularidades das necessidades, habilidades e compreensões pessoais deles como participantes, registrada numa partitura, indicando o caminho percorrido e acolhendo seus imaginários e expressões.

E é essa abertura que pode servir em qualquer tempo de estímulo a novos processos criativo-musicais, acolhendo a reflexão crítica e livre, ponto de partida para outras interpretações, como a que é possível escutarmos nesse álbum.

Quem sabe dessa maneira, pelo entendimento do mundo vivido nas manifestações anteriores e pelas experiências de uma música de pessoas menos oprimidas - ou já conscientes de parte das opressões que sofrem -, estejamos mais aptos agora a escutar as expectativas e necessidades expressas nas vozes de todos os cantos de hoje.

Por Carlos Kater

[Notas]________________
[1] O público foi vivamente convidado a participar com leitura de textos de diferentes personagens que deram corpo à manifestação, sejam os manifestantes propriamente ditos, o orador, automobilista, policial, cachorro, etc. O próprio regente fez a direção das intervenções do público, integradas ao conjunto dos músicos alunos.
[2] Nela podemos encontrar uma multiplicidade de eventos sonoro-musicais: a simultaneidade de acontecimentos, a presença concomitante de organizações sonoras determinadas e indeterminadas (interpenetrando-se de maneiras particulares), a diversidade e o deslocamento fontes sonoras, os jogos de dinâmica, textura e densidade, a variedade de planos dos parâmetros: intensidade, frequência, timbre e tempo, a composição de uma forma semiaberta (cuja estrutura profunda se apresenta constantemente transfigurada), o contraponto entre eventos sonoros determinados, indeterminados e improvisados, o processo geral anti-teleológico, etc.
[3] Essa grande folha de rolo de papel Kraft foi o anteparo sobre o qual registramos os fatos e feitos maiores de nosso processo criativo e que orientaram após sua interpretação.

[Bio]_______________________
Carlos Kater (1948) é educador, musicólogo e compositor, Doutor pela Universidade de Paris IV – Sorbonne e Professor Titular pela EM/UFMG. É autor de artigos publicados em conceituadas revistas especializadas e de livros. Criou e coordena o projeto de criação musical coletiva “A Música da Gente” desde 2013 (projeto que já atingiu cerca de 10.000 participantes em várias localidades do Brasil) e é Membro Permanente do Conselho Assessor da "Cátedra Livre de Pensamento Pedagógico Musical Latinoamericano”, da Universidad Nacional de las Artes (Buenos Aires). Atua como conferencista, consultor e professor, com temas associados à Musicologia Brasileira e à "Formação Musical Inventiva" (foco no desenvolvimento humano).


[Eng]____________________

“La Manifestation” was conceived as part of one of the music courses I taught at the “Atelier d’Expression Corporelle et Musicale”, in Paris, since 1978.

Originally, "La Manifestation" was characterized as a creative and dialogic educational proposal, together with a group consisting of a music educator and students, interacting in a process that involved sensitive and intellectual dimensions, fed by the imagination of the participants.

The generated product resulted in a performative music scene, interpreted by the group of students (percussion instruments of different natures, whistles, voices, megaphone, recorder), with the participation and collaborative interaction of the public.

Its premiere took place at the “I Rencontre Musical des Enfants de la Ville de Paris” (“I Musical Encounter of the Children of the City of Paris”), with the group of students from the Atelier, under my direction, at the “Péniche Théatre”, moored at Quai de Saint Martin on the afternoon of 12/06/1980.

The Brazilian premiere took place at the "XX Festival de Música Nova" in Santos, at the invitation of its director, composer Gilberto Mendes. The Experimental Arts Group of CACMA, under the direction of Luzia M. da Guarda, performed a performance version at the Teatro Brás Cubas, on 26/08/1984, followed by performances in Cubatão and other places.

It is important to note the presence of the Brazilian pedagogue Paulo Freire in the genesis of “La Manifestation”, which is dedicated to him. It was at one of our meetings in Geneva that he made the provocative invitation to create a “music of the oppressed”.

The scale of this challenge seemed immense at the time, given the complexity it imposed on me, further enhanced by the magnitude of work of a similar nature already carried out by Augusto Boal, with the "Teatro do Oprimido", so competent and successful, in Brazil and abroad.

But it was undoubtedly the motivation for this challenge by Paulo Freire that amplified in me the need for a critical and creative listening, as well as for reflections on the demonstrations that had taken place since 1978 in Paris, rekindling the revolutionary expressions of May 1968, as well as those which emerged with the strikes organized by the CGT (Confédération Générale du Travail) and CFGT (Confédération Française démocratique du travail) in 1979.

It is worth remembering that, in all of them, the messages addressed to the constituted power, the bosses and businessmen, the police, the institutions of the traditional right and left, as well as the students themselves were always intensely demanding, irreverent , provocative and... sonorous!

In all of them, the basic characteristic was preserved... a means of socio-cultural expression, of collective participation, comprising sound and musical components in an intrinsic way, and in the vast majority of cases, also implying the displacement of sound sources - the which further intensifies the dynamics of this pulsating and each time unique performance.

Although the degrees of importance and forms of articulation between sound materials and other typical elements of this expressive medium can vary considerably, the sound dimension is always superlative, comprehensive, extraordinary.

The order of complexity of the sounds flowing in their own speeches (slogans, choruses, slogans, speech of the speaker(s), applause, multiple vocal interferences, musical instruments, orphan sounds, etc.), now separated from one established and ordering form, can generate a resultant of apparent simplicity. However, on the contrary, we are faced with an entropic and complex universe, marked by the revolt present in the sounds that vehemently seek freedom from any controlling standard matrix, which produces in music what the strength of the banks imposes on the rivers.

But it is important to say that, of the records made during the original composition process of “La Manifestation” only a mosaic of memories remained in the memory of all participants and... a score, almost a panel, measuring more than 3 meters in length by 1 tall.

The sound-musical achievement that we have the opportunity to listen to in this album, is the result of a lively and creative reading of NuSom (Núcleo de Pesquisas em Sonologia of the university of São Paulo), conducted by Fernando Iazzetta, and guided by macro references from this score.

The attentive listener will also hear musical quotations of subjective meaning and proximity to the theme (in terms of texture, density, morphology, intention), such as the compositions “Santos Futebol Music” by Gilberto Mendes, “Sinfonia das Diretas” by Jorge Antunes and “Routes”, by my authorship.

In reality, we are facing a “sound landscape” that is only apparent. Here, "sounds are sounds" and "manifestations... manifestations" but our listening, now emancipated by movement, transforms them from elements loose from the street floor into sounds full of meaning, integrated in the imaginary world of new meanings proposed by the musical composition .

And it must be said that there is no commitment to “faithful interpretation” of the record of the inventive path set out in the score. As well as its score, it also does not represent the “sonography” of an instant captured by avid ears, aiming to “accurately” fix the life of any given sound instant. The commitment is to transcend, through creation, the limits of apparent reality, going beyond the rigor of a supposed fidelity, which, in fact and in general, compromises, when not truly kidnaps and murders, the greatest value, the essence of facts and phenomena that it seeks to preserve.

But it is worth remembering that what has actually been pursued since the beginning in “La Manifestation” was the dialogical, inventive and proper way of giving voice, visibility, autonomy and protagonism through music to the participants, inviting them to reflections and innovative positions, facing social situations of real meaning. That was, at that moment, the possible answer to the challenge of a song of the oppressed.

The proposal made to those children, young people and the 1980s audience was not to create a live music at that time to be reproduced identically in the future but ... a music created as a reflection of the particular needs, skills and personal understandings of them as participants, recorded in a score, indicating the path taken and welcoming their imaginations and expressions.

And it is this opening that can serve at any time to stimulate new creative-musical processes, welcoming critical and free reflection, a starting point for other interpretations, such as the one we can hear on this album.

Perhaps in this way, due to the understanding of the world experienced in previous manifestations and the experiences of music by people who are less oppressed - or already aware of part of the oppression they suffer -, we are now better able to listen to the expectations and needs expressed in the voices of all the corners of today.

by Carlos Kater.

[Notes]_________________
[1] The public was warmly invited to participate by reading texts by different characters who gave substance to the demonstration, whether the protesters themselves, the speaker, motorist, police officer, dog, etc. The conductor himself directed the interventions of the audience, integrated to the group of student musicians.
[2] In it we can find a multiplicity of sound-musical events: the simultaneity of events, the concomitant presence of determined and indeterminate sound organizations (interpenetrating each other in particular ways), the diversity and displacement of sound sources, dynamic games, texture and density, the variety of parameter planes: intensity, frequency, timbre and time, the composition of a semi-open form (whose deep structure is constantly transfigured), the counterpoint between determined, indeterminate and improvised sound events, the general anti -teleological, etc.
[3] This large sheet of Kraft paper roll was the screen on which we recorded the major facts and achievements of our creative process and which guided after its interpretation.


[Bio]________________

Carlos Kater (1948) is an educator, musicologist and composer. He holds a PhD from the University of Paris IV – Sorbonne and is Full Professor at the Federal University of Minas Gerais. He is the author of articles published in renowned journals and books. He created and coordinates the collective musical creation project “A Musica da Gente” since 2013 (a project that has already reached around 10,000 participants in various locations in Brazil) and is a Permanent Member of the Advisory Board of the "Free Chair of Latin American Music Pedagogical Thought", from the Universidad Nacional de las Artes (Buenos Aires). He works as a lecturer, consultant and professor, with themes associated with Brazilian Musicology and "Inventive Musical Formation" (focus on human development).

credits

from Fios da Trama - Vol. 2, released September 24, 2021
Esta versão foi realizada pelos membros do NuSom - Núcleo de Pesquisas em Sonologia a partir da partitura gráfica original de 1980. Participantes: Fernando Iazzetta (coordenação), Amanda Jacometi, Cássia Carrascoza (flautas), Gustavo Branco, Luis Fernando Cirne, Marina Mapurunga, Miguel Antar (contrabaixo, piano), Paulo Assis, Pedro Paulo Kohler, Tide Borges, Vitor Kisil (percussão).

license

tags

about

Berro São Paulo, Brazil

Unheard noises, unlikely soundscapes, unknown musics, historical sounds. Berro is a Brazilian netlabel focused on music and sound you may not hear elsewhere. It is produced by NuSom - Research Center on Sonology.

Berro: portuguese word for scream, roar, howl, moo, scream, shout, yell, cry, gun, iron, scream of despair.

Berro cares about Brazilian art and culture!
... more

contact / help

Contact Berro

Streaming and
Download help

Report this track or account

If you like La Manifestation, you may also like: